sábado, 2 de fevereiro de 2008

Promoção da igualdade racial só no papel

Por Edílson Silva*

Como escândalo na política vende bem, a imprensa brasileira está se esbaldando com o caso dos cartões corporativos do governo federal, em que ministros e outros cargos comissionados estariam supostamente abusando da utilização do que está sendo chamado de Lulacard. Na ponta mais alta da lista dos envolvidos encontra-se a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Promoção de Políticas da Igualdade Racial – SEPPIR.

Com a intensa capacidade de comunicação que temos hoje, concentradas em grande parte nas mãos de grupos econômicos, com interesses políticos presentes em suas opções editoriais, não é difícil se fazer uma condenação política prévia junto à opinião pública, antes mesmo de plenamente comprovadas as acusações. Por esta razão, o senso de justiça elementar garante à ministra Matilde e aos demais envolvidos o amplo direito de defesa.

Contudo, estou destacando a ministra Matilde Ribeiro não só porque está no topo da lista denunciada pela imprensa, mas porque tenho recebido inúmeras mensagens eletrônicas propondo apoio à ministra, que estaria sendo vítima de racismo pela elite branca. Uma das mensagens afirma que a ministra simboliza o início da hegemonia do povo negro no Brasil. Que exagero, ou melhor, que falso. Não misturemos as coisas.

Em recente encontro promovido pelo CEN – Coletivo de Entidades Negras, organização liderada em Pernambuco pela incansável militante Lindacy Assis, o deputado federal Paulo Rubem Santiago, que como eu era um dos convidados a falar, sacou uma frase que expressa bem o que é a SEPPIR do governo federal: "um carro novo, mas sem uma gota de combustível". Paulo Rubem está coberto de razão.

Os governos hegemonizados pelo PT e seus aliados de primeira hora, PC do B e PSB, fazem com o movimento negro o que tem feito com outros segmentos organizados da sociedade civil, como ambientalistas, mulheres e outros. Criam uma secretaria ou comissão com um nome pomposo e abrem nesta "pasta" um número de cargos comissionados suficientes para abrigar os que se dispõe a ficar enrolando a base social do respectivo movimento.

Esta prática cumpre conscientemente duas tarefas simultâneas. Por um lado coopta lideranças, a partir de cargos e benefícios materiais. Por outro, fragmenta os movimentos, pois as vagas abertas são poucas e não comportam o conjunto dos quadros que se acham aptos a estarem à frente das equipes.

A SEPPIR do governo Lula é, do ponto de vista prático, uma fraude, e passa longe de ser o início da hegemonia do povo negro no Brasil. Só para ficar em um exemplo, a Lei 10.639, extremamente positiva, de 9 de janeiro de 2003, que institui o ensino de história e cultura afro-brasileira no currículo oficial das redes de ensino fundamental e médio, nas escolas públicas e privadas do Brasil, ainda não saiu do papel.

Esta Lei foi publicada na segunda semana do primeiro mandato do governo Lula. A negrada organizada, eu inclusive, vibrei muito com a iniciativa. No entanto, desde aquela época vários projetos de capacitação pedagógica elaborados por técnicos, historiadores, especialistas e militantes do movimento negro em todo o país, buscando facilitar o acesso de prefeituras e governos estaduais aos conteúdos previstos na Lei 10.639, não foram adiante, estão engavetados, porque faltam recursos para garantir as capacitações.

Em Pernambuco, Eduardo Campos resolveu seguir o caminho de Lula. Criou o Comitê de Promoção da Igualdade Étnico-Racial – CEPIR, colocando à sua frente o professor Jorge Arruda, militante sério e respeitado pela militância do povo negro. A essência da iniciativa é boa, mas o roteiro político se repete.

Uma das boas iniciativas apresentadas pela CEPIR de Pernambuco foi o mapeamento dos espaços que praticam religiões de matriz africana no estado, como os Terreiros de Candomblé. Para tanto, seriam remunerados pouco mais de 100 jovens, todos do Povo de Santo, com R$ 350,00 mensais, enquanto durasse a pesquisa. Há meses a iniciativa está congelada. Esperamos que saia o quanto antes, mas mesmo que saia, trata-se de uma medida ainda bastante tímida e insuficiente para garantir mínimas inflexões na direção de soluções.

Iniciativas semelhantes, com a mesma tecnologia política, estão presentes em municípios como Recife e Olinda, e estados como a Bahia, onde o resultado prático alcançado foi o aumento drástico do assassinato de jovens negros nas periferias de Salvador e região metropolitana. A Polícia Militar da Bahia, sob o comando do governador petista Jacques Wagner, continua racista e com tolerância zero com os pobres e negros.

Definitivamente, os encaminhamentos dados pela ex-esquerda à temática racial no Brasil são mera propaganda política, sem conseqüências práticas, a não ser para os que conseguem encaixar-se nos cargos colocados à disposição nos vários níveis de governo.

Ao invés de procurar pelo em ovo, afirmando que Matilde Ribeiro está sendo vítima de racismo, setores do movimento negro deveriam voltar às suas raízes, olhando no olho do poder, com as sobrancelhas e punhos cerradas, e não com as mãos estendidas mendigando migalhas do banquete farto do poder. Sobram bilhões em recursos para agiotas, mensaleiros, empreiteiros, sanguessugas, mas faltam recursos para a maioria do nosso povo.

Devemos, juntos, partidos comprometidos com o povo, movimentos sociais, sociedade civil organizada, cobrar que a SEPPIR nacional e da CEPIR estadual tenham recursos para atuar sobre as demandas reais.

Duas importantes iniciativas já aprovadas estão paralisadas, a Lei 10.639 e o mapeamento dos Terreiros. Outras, como creches oferecidas amplamente pelo estado, para crianças de zero a seis anos, em período integral, são medidas que têm impacto sobre o conjunto da população, mas que favorecem os negros e negras em particular, pois este povo é visivelmente a maioria entre os pobres e miseráveis.

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